sábado, 31 de dezembro de 2011

Do que 2011 trouxe consigo

O ano foi 2011 pra todo mundo, mas cada um teve o seu ano. Não importa se compartilhamos dos mesmos dilemas pela TV, se nos questionamos a respeito das mesmas coisas pelo Twitter ou se criticamos os mesmos assuntos que lemos nos jornais a respeito das decisões dos nossos mesmos governantes. Cada um vive e sente o tempo de uma forma diferente. Pra mim, 2011 foi um intervalo curto demais entre 2010 e 2012. Não peço que fique mais, mas também não digo que já vai tarde. Eu prefiro acreditar que tudo acontece a seu tempo. 

Esse foi o ano em que completei duas décadas de vida. Tempo demais para algumas coisas e de menos para outras. Hoje eu consigo ver claramente como já fui (bem mais) arrogante e prepotente. Eu sei que sou, muitas vezes. Taí um dos meus grandes defeitos. Ao mesmo tempo, foi o ano em que, embora essa realidade tenha se assentado aqui, percebi que ainda não vivi nada de coisa nenhuma e que 20 anos não são nada. E que maravilha perceber isso. 

Desde o ano de 2003, quando uma coisa quebrou toda a linearidade dos anos anteriores, eu me propus a fazer com que a cada ano algo realmente muito bom acontecesse na minha vida. Esse ano, embora não pareça bom o que vou dizer, foi o ano das decepções. Eu me decepcionei profundamente com coisas e pessoas. Mas o quanto aprendi com tudo isso, nada alegre poderia me ensinar. E eu acho ótimo que tenha sido assim. Nenhum aprendizado é indolor. Então foi mais um ano em que garanti algo realmente incrível. 

As pessoas, fora alguns tipos que já me decepcionaram muitas vezes antes, foram amigos. Amigos recentes, amigos do tempo da escola, amigos do tempo de brincar na rua de casa. Muitos deles. Gente que elege prioridades estranhas, que não sabe se impor, que mente pra si mesma, que decepciona os amigos e que faz bobagem da própria existência. Eu prefiro nem me alongar nesse assunto. Tirei proveito disso de forma indireta e aprendi com os erros alheios, porque "não se vive tempo suficiente para cometer todos os erros", é o que basta.

As coisas, bom... A coisa. O que me decepcionou esse ano foi o Jornalismo, que até outro dia eu tinha como "o curso" que escolhi pra mim. Hoje, eu já consigo vislumbrar como "a profissão" que aconteceu pra mim. E me perdoem se falo tanto de Jornalismo, mas é que além de ser parte significante da minha rotina, é intenso e instigante demais para ser ignorado ou só eventualmente comentado. 

Eu disse que não parecia bom... Mas, é sim. Essas decepções são só um choque de realidade. Eu, que sou uma otimista incorrigível, preciso ser mais pé no chão, mais analítica, mais crítica, mais observadora, mais sensível, mais racional, mais objetiva, mais focada, mais determinada. Menos idealista, menos sonhadora, menos aquariana, menos apaixonada, menos parcial, menos efusiva, menos cega, menos volúvel, menos etérea... 

2011 foi ano em que eu realizei um sonho e foi aí que ao mesmo tempo em que algumas ideias morreram, várias outras surgiram. Desde o começo do curso de Jornalismo, quando eu vi que essa conversa, de que não há espaço para jornalistas no Piauí, é um grande achismo de quem é de fora da área, comecei a imaginar onde eu gostaria de exercer a profissão dentro do estado. Eu sabia que queria escrever. Jornalismo, pra mim, se faz de palavras escritas (e lidas!). 

Eu passei a vislumbrar um dos jornais impressos da capital como o lugar onde eu poderia realmente pôr à prova o que eu achava sobre o jornalismo, que nunca foi o que imaginei para a minha vida, mas que a partir do momento em que passou a fazer parte da minha realidade, me fez sonhar com lugares e modos de fazer e coisas a aprender. 

E aí eu consegui. E foram (quaaase) 7 meses de uma rotina diária que me ensinou um monte de coisa, e a principal é que eu NUNCA vou saber o suficiente para que os acontecimentos, os dados e as pessoas deixem de me pegar de surpresa. E isso é a coisa mais incrível que eu poderia descobrir. 

Ao mesmo tempo, como falei antes, me decepcionei com várias coisas. E que eu sei que se não fosse lá, seria em outro lugar. Como foi antes, quando me arrisquei em outro outra forma de fazer jornalismo. O baque foi imediato. Isso porque o jornalismo nunca foi uma coisa que eu, um dia, tivesse cogitado fazer. Quase todos os dias me pergunto em que situação eu estaria se tivesse sonhado e feito planos para o futuro com essa carreira. Talvez já tivesse desistido. 

E 2011 também trouxe coisas e pessoas que me fizeram continuar querendo ser jornalista com exemplos de como ser bom, justo e honesto, apesar de tudo e qualquer coisa. Ou, pelo menos, ser o melhor, mais justo e honesto possível, dentro das possibilidades disponíveis.

Eu sempre fui do tipo que nunca teve pressa de crescer e fazer "coisas de adulto". Eu nunca fui daquelas meninas que usavam a maquiagem da mãe ou que queriam chegar tarde em casa. Eu sofro de velhice precoce às avessas. Deve ser ruim, eu acho. Quando eu tiver 40 anos vou querer fazer coisas de adolescente, porque hoje eu ainda sou do tipo que prefere um filme em casa do que uma ~balada animadérrima~. Por isso, não me animo em chegar logo ao fim, alcançar logo todos os meus objetivos, queimar etapas, passar por cima de ninguém. Até hoje, desde que comecei a fazer planos para o meu futuro, sempre alcancei o que desejei. Eu sou impaciente e ansiosa, mas não sou desesperada.

Acho que o que mais desejo pra 2012 é aprender tudo o que eu tiver de aprender, sejam lá quais forem meus erros atualmente. E se tiver que ser doloroso, se tiver que ser lento, se tiver que ser decepcionante, se tiver que me fazer sofrer... Que faça. Que 2012 traga consigo muito mais do que me trouxe 2011 e que leve embora o que não me for útil. 

sábado, 3 de dezembro de 2011

Um disparo, dois tiros

Ela levantou, mas não acordou. O corpo ficou na cama bagunçada, a cabeça sobre os volumes macios que sempre deixavam uma dor leve no pescoço, pela manhã. Hoje, ela acordou sem dor. Sem vontade, sem rumo, sem si. Ela deixou a um canto a camisola lilás, girou de leve a maçaneta e acariciou repetidamente o chão do corredor com os pés pequenos. Ela sequer olhou para trás, sabia que o destino era adiante. 

Agora ela era como sempre quisera ser, só sensações. Sentiu bem mais o aroma meio acre do cajueiro em flor, do asfalto quente sob o sol do início da manhã e da fumaça dos carros. O cenário era bonito, porque era real, sincero e tinha gente. Ela sempre gostou de gente, embora nunca tenha se sentido muito bem entre elas. Elas funcionavam como a TV para seus usos e satisfações; eram só companhia para um momento de solidão. No caso dela, o momento durou a vida inteira. Até que as pessoas serviram bem. 

Agora ela notava como sempre fora irrelevante para todos e agradecia em pensamento não estar mais presa a nada disso e não ter nada preso a ela. Já não precisava amarrar o grande sorriso no rosto, tão grande que escondia lágrimas eventuais. Ela lembrou que guardava o sorriso entre as páginas dos livros que lia, antes de dormir. Durante a noite, eram os romances que recarregavam seus dentes e lábios unidos fixos em felicidade para a manhã seguinte. 

Caminhou por mais um longo tempo, aproveitando a sensação de ser vista por ninguém. Desamarrou a corda do cachorro preso ao poste, cuspiu do alto e fez chover, roubou o pudor da gente fraca e mostrou a todos que quando alguém vai e não olha pra trás, não adiantam mais as palavras bonitas. Ela sentia, mas não ouvia mais nada. Nem os ganidos chorosos nem as buzinas alucinadas. Ela era toda paz. 

A noite chegou e ela se sentou no concreto frio, observando a movimentação diminuir, como a água que se esvai. Abraçou os joelhos e começou a pensar que aquilo também não fazia sentido. Não sabia o que era pior. Estar sozinha junto de muitos ou ter a companhia dos mil pensamentos, realistas demais. 

Levantou e sentiu que ia chorar, não havia saída. Não importava o quanto andasse, sempre havia mais uma esquina. Ironia cruel levando em conta a provinciana dimensão da cidadezinha. Ela caminhou até que algo a fez parar. Um olhar a atravessou no peito. Ela sabia que aquela não era a dor de não ser vista, porque já estava acostumada. Sentiu como um tiro, a sensação já conhecida. Um impacto que deixou os instantes seguintes em câmera lenta. Quente e molhado, só que agora no peito, não na têmpora. Dessa vez o calor aquecia, não queimava. Por um momento ela pensou que pudesse estar ouvindo um som ritmado e grave, profundo, como se latejasse. Mas ela realmente não podia ouvir, vinha de dentro do peito. E ela foi caindo, devagar, primeiro joelho fraquejando, depois outro, e o cheiro doce e rubro coloria a noite. Era visceral. 

O olhar caminhou até ela, trazendo um homem. Ele dizia coisas que ela não podia ouvir, mas quem se importava, agora? Ele podia e queria vê-la. Ela sentia o impacto de ser fuzilada a cada novo toque. Se contorceu em angústia e aquilo tudo parecia um sonho ruim dentro de um outro sonho ruim, abriu a boca e nenhum som saiu. Os os marejaram, embaçaram, reviraram e ela apagou. 

Acordou com o som que parecia vir de dentro, vindo de fora. A cabeça doía, o pescoço também. O ouvido estava grudado na caixa de coração que tinha cheiro de homem, de meia noite e de roupa nenhuma cobrindo corpos. Ele ressonava e ela assistia, sentindo o peito atravessado por alguma coisa que não se podia dizer o que era. Só era quente. Parecia vir de longe e ela nunca iria poder dizer como fora atingida. Ela pra sempre só irá lembrar de um disparo.