terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Você é que é normal demais pra mim

- Vem aqui.
- ...
- Mais perto.
- ...
- Isso, assim.
- ...
- Tira essa roupa.
- Ah, para, se comporta.
- Mau comportamento é ter você tão perto e com tanta roupa.
- Agora não dá.
- Pra você sempre tem que ter hora? Por que não agora? Eu quero agora.
- Não é assim, você sabe.
- ...
- ...
- Viu, você fica uma beleza, assim, sem essa blusa. Coisa linda, você. Vem aqui, desamarra essa cara, me dá um beijo.
- Você não tem jeito. Nem parece a mesma pessoa de quando a gente se conheceu.
- Porque você não me conhecia, você achava que me conhecia. Prefere daquele jeito, quando eu fingia ser alguém menos... Eu?
- Não, não. Gosto assim. É que você não se controla.
- Eu não gosto de me controlar, não com você. Qual o problema de pedir, de dizer, de mostrar, de chamar, de declarar, de deixar explícito o que eu quero e sinto? Eu não sei me guardar só pra mim.
- Eu sei. Eu gosto. Só que às vezes prefiro as coisas mais contidas.
- Eu já notei. Eu gosto disso em você, porque você me passa uma sensação boa, de calma. De que tudo pode ser mais simples, mais sereno. Mas é que você é garoa, eu sou enchente.
- É...
- ...
- Eu gosto quando a sua correnteza me leva rua abaixo.
- Enchentes nunca são boas. E sem espírito aventureiro, são ainda piores. Eu vejo a água lavando tudo o que há de ruim, você vê a correnteza te levando embora.
- Você faz drama. Foi só um jeito de falar.
- Eu sei. Também estou usando um jeito de falar, pra dizer as coisas que eu penso.
- ...
- ...
- Você quer me devolver minha blusa?
- ...
- Muito bem.
- Eu vou embora.
- Agora? Tá tarde, amor.
- Eu sei.
- Fica aí, vai amanhã cedo.
- Amanhã não vai ser cedo, amanhã vai ser mais tarde ainda.
- O que quer dizer?
- Eu vou embora, mesmo.
- Não sei se entendi.
- Você é um amor, mas não é pra mim. Eu preciso de alguém que tire minha roupa à força, não de alguém que peça pra que eu me contenha, quando eu peço alguma coisa. Entende? Eu não sou assim. A gente vai ter outra conversa dessas outras vezes e eu vou me sentir muito mal por querer mudar algo em você.
- Eu não sei o que dizer.
- Você nunca sabe. E se sabe, não diz. Fica prendendo, controlando, medindo.
- Tá. Eu já entendi.
- Não entendeu, não. Ou sua resposta teria sido outra.
- ...
- ...
- Está chovendo, espera.
- ...
- Vem aqui.
- Tá vendo? Eu não quero que você tire a sua roupa pra me proteger da chuva. Eu quero que você me leve pro meio da tempestade com você.
- Você é louca.
- Você é que é normal demais pra mim.